06/05/2007

A árvore azul dos relógios.

Lembro-me da conversa que tivemos naquele dia. Os dois sentados no galho mais fino do ramo mais alto de uma árvore azul. Ao fundo, deitado sobre a relva cor-de-rosa, um cavalo alado lambia uma das patas. O céu estava verde claro, pois era final de tarde e o sol vermelho com as riscas brancas já mal se via. Como era suposto, num dos meses do meio do ano, estava frio.
- Eu quero a paixão. Sentir as pernas tremer quando vejo quem eu amo.
(- A mim basta-me o conforto, sentado a ver televisão na tua companhia… de vez em quando um beijo ou um passeio e essa tremedeira não existe para sempre)
- Não penses que não gosto…. Gosto muito, mas isto que sinto…
(-Neste caso o que não sentes)
- Foge à explicação.
- Eu compreendo.
(Sempre compreendi, excepto quando não compreendia.)
- Posso estar enganada… Espero! Espero estar enganada, mas nesta fase apenas quero o que quero.
- Eu compreendo.
- Ó meu Deus como eu quero estar enganada.
- Estarás, certamente. Não te preocupes, não chores.
- É uma questão de olhar, percebes? É aquele olhar… Olha! Esse mesmo que tu tens. É preciso esse olhar para as coisas funcionarem e eu não o vejo em nós.
- Bem, jeitosa, (agarrei o seu queixo e sorri) tu sabes o que eu sinto…
- Preciso sentir a tua ausência para descobrir a saudade. Conhecer outras pessoas para me descobrir, ver do que é feito o mundo e o amor. Quero aprender. Não quero que esperes, mas espera, não quero que me ames, mas ama. É bom sentir-te em mim, saber que não te perdeste por outros caminhos, por outro amor.
- Vou tentar não ser egoísta e esperar por ti sem me apaixonar por mais ninguém enquanto tu procuras. Procura a tua felicidade no mar, que eu espero por ti aqui nesta barcaça, para te salvar… para, por fim te amar. Eu espero.
(Não é brincadeira. As coisas são mesmo assim neste mundo de estradas feitas de chocolate.)
- É só isso que eu peço, querida ‘amiga’, desmasculiniza-te por mim. Sofre enquanto eu sofro e não te descubro. O dia há-de chegar e aí nós partiremos nessa barcaça de que tu falas. Talvez eu olhe para trás, talvez não. Talvez tu percebas nesse momento que não me amas. Talvez. Nesse dia eu morro.
O sol de tiras vermelhas e brancas já não se via e o amarelo da noite prevalecia sobre o vale. Tu desceste, gentilmente, da árvore azul dos relógios, sobre o olhar atento do cavalo alado. Pé ante pé, galho ante galho até ao chão. Eu fiquei mais um tempo, vendo-te partir. Sempre gostei de te ver partir.

João Freire

4 comentários:

marcia disse...

A tua capacidade para a escrita é linda. Tudo o que escreves soa como poemas, como musica de embalar e isso tem a capacidade de esticar ambas as pontas dos meus labios e esboçar um sorriso. Parabéns e continua a escrever mesmo que não tenhas nada a dizer.
Beijo.

Ginger disse...

Num mundo de patas para o ar... e estradas e chocolate e árvores azuis...

Muito bonito.

Só gostava de saber se eles sempre se encontraram, apaixonados ou desapaixonados.


*

Johnny disse...

Eu gostava que ficassem amigos, mas num mundo tão complicado como o nosso... qualquer relação, de amizade, amor ou até a não relação, causa desconforto e surgem relações que não são nada de jeito. Voto pela amizade, mas não sei aonde o futuro (e com eles nós todos)os leva.

Johnny disse...

E obrigado por achares bonito.

(A Fábrica de letras já valeu a pena, mais que não seja, por mais alguém ter aqui vindo ler isto)