14/10/2007

Os degraus do cabeço da avó Irene

E sem pensar muito nisso, vem-me à memória a lembrança de uns degraus que existiam no cabeço. O cabeço era um pequeno terreno da minha avó em Valverde, um pedaço de terra muito estreito e esticado ao longo de várias dezenas de metros divididas em socalcos. No de cima, para além do pequeno barracão das arrecadações, dos coelhos e das galinhas, encontravam-se as oliveiras, as videiras e uma ginjeira; no de baixo a horta, abastecida por um poço que mais não era, e ainda é, do que um buraco quadrado afundado no chão e forrado a pedra.
(Mas falava eu sobre os degraus.)
Eram eles, os degraus, que separavam os dois níveis da propriedade e que da última vez que lá estive, me pareceram pequeníssimos. É engraçado como a ideia que temos de uma coisa muda com a idade, com o crescimento. Quando somos pequenos tudo nos parece maior, maior e mais lento, pois também me lembro do tempo interminável que demorava a percorrer esse pequeno terreno.
Mas que medo eu tinha do poço e de cair lá dentro, enleado no verdete e nos ramos caídos e como eram grandes os degraus.
- Eram enormes, vó!
Lembro-me de os descer e de ter de me apoiar nas paredes que o próprio terreno e a casa do motor a gasóleo constituíam. Sempre que torno a visitar o cabeço vejo a minha avó a vir na minha direcção, cada vez mais devagar.
(Todas as avós caminham mais devagar com a idade, com o crescimento.)
O balde vermelho, o lenço preto, o sorriso algo cansado, os últimos afazeres e a boleia que lhe dou até casa.
- Vamos embora, vó?

(João Freire)