05/01/2008

A 193 à hora e o cartaz da Cláudia Vieira

O meu carro consegue andar a 193 quilómetros por hora. Aliás, o meu carro só consegue andar a 193 quilómetros por hora. Não é nada de especial. Há muitos mais carros que conseguem andar muito mais rápido do que isto, mas não deixa de ser rápido e às duas da manhã, numa auto-estrada do oeste, em direcção a Lisboa, ouvindo Nine Inch Nails, chega a parecer mágico. É estúpido dizer isto e é errado fazê-lo, porque, pensando bem, estamos a colocar em perigo a nossa vida e a dos outros, mas é fixe e não há nada mal nenhum em pensar isso. Talvez num dia mais à frente, num dia em que eu me despiste mais ou menos a esta velocidade e morra, algum jornalista da TVI faça uma reportagem sobre mim e leia este texto, nem que seja só esta parte, sublinhando a ironia de o ter escrito, mas fique sabendo, ele e todos, que a velocidade não tem de ser um delito, mas sim a nossa incapacidade para lidar com ela. Ah! E a TVI é um nojo!
De Peniche a Lisboa, à noite, sozinho, com o volume da música a raiar o insuportável nada mais existe que o pensamento, a companhia que damos a nós mesmos e a única forma de termos uma conversa inteligente. Mas o que é que se pensa durante esta viagem?
Pensas, desde logo, que o gasóleo está caro, porque é impossível não pensar no preço dos combustíveis quando entras num carro e que os carros movidos a energias alternativas não conseguirão atingir as velocidades destes que agora existem e pensas que daqui a uns anos, por tudo isso, já não podes ir de forma tão frequente a Lisboa, aquela cidade que aprendeste a desfrutar, porque não a amaste quando a viste, mas no preciso momento em que disseste que a conhecias, como uma paixão mais madura, e a Braga, ao Baroque, ter com os idiotas dos teus amigos que não consegues deixar de amar.
Pensas nos amigos, velhos e novos e em como gostas deles todos.
Pensas no Bruno e na Mónica, que tardam em assentar.
Pensas no amor. Hoje és só amor e dizes a ti próprio: "és mesmo totó"
Pensas que devias ter oportunidade para fazer mais sexo. E porque não?
Pensas naquela, pensas naquela, claro! Nem que seja só aquele sentimento pequenino que há-de ficar para sempre e pensas também na possibilidade daquela, daquela, e ainda mais daquela. E ris. Rir faz-te lembrar daquela, que ri muito. Parece que está a gozar contigo, mas, se ela diz que não, tens de aceitar.
E depois ouves a música. Pensas que a letra de "God Hates a Coward" (Tomahawk) deve ser a letra mais espectacular que alguém alguma vez escreveu e cantas: "On the only piano, wrote the fuckin' concerto, shoot pool with your eyeballs, rack 'em up! Make a meal of your asshole, gnaw on your fat soul, dipping your heart in my vinegar." E depois ris novamente.
E estás bem. O ano está a começar bem e tu pensas que te sentes bem… nada de especial, mas (---------pausa---------) bem, um calmo, saudável e prolongadíssimo BEEEEEEEEEEEM!
Depois pensas no “passeio dos tristes”, a frase que a Patrícia (amiga da Lúcia) inventou para os fumadores que têm de ir, desde que começou o ano, fumar para a rua e pensas também que foram simpáticos em pagar-te o jantar.
(Obrigado Luís e Patrícia)
Depois já estás a entrar em Lisboa e tens de te concentrar para saíres no sítio certo, mas não consegues deixar de pensar na Cláudia Vieira que aparece no teu lado esquerdo à entrada da 2ª Circular num cartaz do tamanho de um prédio de três andares, vestida com uma lingerie vermelha e pensas que ainda há publicidade bem feita em Portugal, mas perigosa, depois obrigas-te a pensar em voltar a cabeça para a frente, gozas a música que tanto trabalho te dá a coleccionar e, finalmente, pensas como tu, mesmo que apareças morto num acidente brutal de viação – em que mais nenhum carro se envolveu sem ser tu -, mesmo que te assustes, mesmo que sofras e tenhas medo naqueles últimos instantes, morrerias a fazer uma das coisas que te deixa mais feliz, conduzir.

Banda sonora da viagem:

NIN - Hand That Feeds,
Ornatos Violeta - Chaga,
Nirvana (Sim, Nirvana.
Só gosto desta. Dêem-lhe uma hipótese) - You Know You’re Right,
Pearl Jam - Porch,
Tomahawk – God Hates a Coward,
Faith No More - The Gentle Art Of Making Enemies,
Soundgarden - Pretty noose,

Entre outras das mais pesadas, que eu gosto de escolher para conduzir sozinho. Reparei que nesta colectânea das músicas para conduzir, só o Mike Patton repete e há mais com o seu dedinho mágico. Realmente, o Mike é um gajo genial.

P.S. – Apesar de eu ter dito que o meu carro “só” dava 193 quilómetros por hora, tal facto não deve ser confundido com desprezo pelo valor, beleza ou comportamento do meu carro. Apesar dos problemas que ele me dá, eu gosto muito e sinceramente dele. O “só” que está presente na frase apenas remete para o carácter insaciável da espécie humana. Foi apenas um esclarecimento que o meu Renault Clio II de 2002 me pediu para fazer.

(João Freire)

1 comentário:

ipsis verbis disse...

gostei muito e tanto deste texto. bolas!