26/10/2010

Hullabaloo booboom horsheshit

"Ainda assim, pergunto eu, para que serviu tudo isto? (...) Reconheço que sou um fanfarrão, mas não é disso que se trata, porque afinal de contas o que é que ganhei com todas estas proezas, pois como diz o pregador: «Vaidade das vaidades... tudo é vaidade.» Uma pessoa mata-se para chegar à sepultura. Sobretudo, matamo-nos para chegar à sepultura antes mesmo de morrermos, e o nome dessa sepultura é «sucesso», o nome dessa sepultura é lufa-lufa bumbum patacoadas."

"Still I say, what means it? (...) I admit I'm a braggart, but I'm not calling it thus because what was the use of it all anyway, for as the Preacher sayeth: "Vanity of vanities . . . all is vanity." You kill yourself to get to the grave. Especially you kill yourself to get to the grave before you even die, and the name of that grave is "success," the name of that grave is hullaballoo boomboom horseshit."

Jack Kerouac, Duluoz, o vaidoso (Vanity of Duluoz)

22/10/2010

No meio da estrada também está bem


- Então - disse abruptamente, levantando os braços em desalento, enquanto a senhora saía do carro vermelho.
- Quer pôr o carro ali?
- Sim, quero.
- Eu chego à frente.

E chegou. Chegou dois metros à frente. Ficou óptimo. O espaço vazio à direita é um lugar de estacionamento, aquele espaço vazio lá à frente entre dois carros também é um lugar de estacionamento, até há uma ilha de estacionamento do lado esquerdo (vê-se o cantinho) com muitos lugares vagos, mas o meio da estrada também é uma boa opção. Ficou óptimo! Óptimo! Quase não estorva nada e eu (esta roda aqui no canto inferior) até consegui estacionar onde queria.

O problema não são os políticos, nem os ricos, pois esses são amostras do país. Há os bons, há os maus e há os assim, assim.
O problema disto tudo é... (link)

(João Freire)

21/10/2010

À espera d'A Revolução



Beatles - Revolution

11/10/2010

Mil palavras que não valem uma imagem

Kevin Carter, New York Times
Numa viagem pelo Sudão, Kevin Carter ouve o ténue choramingar de uma criança. Aproximando-se, descobre uma menina sudanesa muito fragilizada que havia parado para descansar enquanto tentava chegar a um centro de alimentação. Perto dela, um abutre aterrara, quase como se também ele estivesse intrigado com aquele som. Carter, um conhecido e premiado fotógrafo, activista na luta contra o Apartheid, vê a oportunidade para tirar uma foto que retratava perfeitamente a situação da África daquele tempo. A foto tinha tudo para ser um cartaz e um símbolo da guerra e das suas consequências nos países africanos, mas Carter achou que a foto ficaria melhor se o abutre abrisse as assas. Carter esperou - disse depois que esperou vinte minutos -, mas o abutre não abriu as asas e tirou a fotografia assim, enxotando depois o abutre.
Não se sabe o que aconteceu à criança. O jornal a quem Carter vendeu a fotografia garante que a criança demonstrava ter forças para se afastar, mas que desconheciam o que tinha acontecido à criança. Mas sabe-se o que aconteceu a Carter - que ganhou um prémio Pulitzer com esta foto. No final, profundamente deprimido com acontecimentos da sua vida e também pelo que se passava em África, acontecimentos que culminaram no desaparecimento de Ken Oosterbroek, um colega seu que fora alvejado fatalmente quando cobria as primeiras eleições após Apartheid, Carter viria a pôr fim à sua vida em 27 de Julho de 1994. Tudo se terá passado num local onde costumava brincar nos seus tempos de criança, ligando uma mangueira do tubo de escape ao interior da sua carrinha, morrendo de envenenamento por monóxido de Carbono, deixando uma carta de despedida com este excerto:
“Estou deprimido… Sem telefone… Sem dinheiro para a renda... Sem dinheiro para ajudar as crianças… Sem dinheiro para as dívidas… Dinheiro!!!... Sou perseguido pela viva lembrança de assassinatos, cadáveres, raiva e dor… Pelas crianças feridas ou famintas… Pelos homens malucos com o dedo no gatilho, muitas vezes policias, carrascos… Se eu tiver sorte, vou juntar-me ao Ken...”
Claro que nestas coisas há sempre desacordos, incongruências e versões diferentes, há até uma versão de um colega de Carter, um fotógrafo nascido em Lisboa de nome João Silva, que diz que os pais da criança estavam por perto e que Carter não terá esperado tanto tempo como disse, pois quando Carter se aproximou o abutre fugiu, tendo tirado apenas algumas fotos. Porque teria Carter contado uma versão mais dramática, mas que o deixava mal-visto? Mesmo que a criança estivesse em sofrimento, valeria esse sofrimento por todo o reconhecimento que a fotografia trouxe à situação sudanesa em particular e de todo um continente assombrado pela guerra, fome e ódio racial? Carter terá cometido suicídio por não ter ajudado a criança? O que se passou com a criança? Outras mil palavras que as imagens nunca dirão.


(João Freire)

Reaproveitado para o desafio de Março da Fábrica de Letras, subordinado ao tema "Fotografia" 

05/10/2010

Nunca se fala do cheiro da terra depois de uma trovoada

Não havia muita gente que conhecesse o mundo antes de ele ser de plástico. As árvores, o chão, os edifícios, como brinquedos, tudo de plástico. Talvez ainda existissem pessoas do tempo anterior à ‘cobertura’, antes da intoxicação total. Sabia-se agora que a contaminação dos solos e das águas, aliada ao degelo dos pólos conduzira àquela situação. Primeiro as inundações, de seguida o fim das correntes marítimas e finalmente uma nova Era Glaciar. Restara a fuga para o interior da terra e os 12 anos de recuperação, com fábricas termonucleares a bombear ar quente para a atmosfera e ar puro (numa mistura de 20% de oxigénio e 80% de nitrogénio) para dentro dos túneis, dando vida àqueles milhões de pessoas que tiveram a sorte de estar ao pé da rede de túneis de isolamento e climatização termonuclear de uma corporação que testava uma nova forma de armazenar energia. Por sorte, o restabelecimento das condições atmosféricas favoráveis à vida humana fora mais rápido do que o previsto, mas a contaminação dos solos inevitável. Os detritos radioactivos eram tantos que nenhum pedaço de terra na nova superfície terrestre era cultivável, sendo até tóxico ao contacto. Convém dizer que a área total terrestre diminuíra para um décimo dos valores dos finais do século XXI e que apenas mil milhões de pessoas haviam sobrevivido, povoando agora uma área da antiga Europa Central junto aos Alpes, estendendo-se a Oeste até ao território de Espanha e a Leste até ao território da Turquia e que se chamava - imagine-se - Nova Europa. Apenas o plástico subsistira, encontrando-se por todo o lado, boiando na água, em formas antigas de produtos variados e desnecessários, aparelhos de outros tempos que agora não serviam para nada mais do que a construção civil. Reconfiguradas as fábricas, que agora, restabelecidas as correntes, os pólos e o sistema climatérico em geral, não serviam nenhum propósito, procedeu-se nelas à reciclagem do plástico.
– Antes este prédio construía-se com ferro e não plástico – diziam os operários, como se contassem uma história inacreditável.
E tudo era plástico. Derretia-se o plástico, convertia-se o plástico nas formas desejadas pelos construtores, transformando-se sobretudo em blocos de construção por encaixe e colagem por calor e construía-se por cima da terra e do mar. A água, essa, era dessalinizada através da osmose reversa e a alimentação baseava-se no aproveitamento da carne humana morta, ultra-congelada, e na pesca, embora apenas algumas espécies fossem permitidas, devido à sua resistência à contaminação. A esperança média de vida baixara drasticamente, dai também a dificuldade de encontrar alguém que vivera no período anterior à cobertura, mas reza a lenda que numa dessas casas de plástico, uma homem muito velho que vivia com o seu filho, a nora e uma neta, lhes contava uma história do tempo anterior à cobertura, enumerando coisas tão fantásticas que faziam os olhos da criança brilhar de admiração e incredulidade. De repente começou a chover, nunca chovia naquele mundo de plástico, ficando toda a gente assustada com o barulho dos trovões. Restou ao velho, que sorria imenso, acalmar a sua família, recordando outros dias de chuva, antes da ‘cobertura’, enumerando coisas que o enchiam de saudades e às quais nunca dera o devido valor, coisas tão banais como a chuva a cair na face ou o cheiro da terra molhada. Sorriu uma última vez, caindo no chão, deixando um sorriso na face, perante a aflição do filho e da nora.
Um homem velho, que apesar de tudo tinha tido muita sorte, que fora casado anos sem conta, que tinha um filho extraordinário, uma nora que o estimava e uma neta tão bela como as estrelas, morria lembrando-se apenas, no meio de um suspiro final, do cheiro que a terra tinha quando chovia. A neta, que durante toda a sua vida ouvira dizer que o seu avô morrera ao contar uma história de um dia de trovoada e do cheiro da chuva, nunca se esqueceu dos poderes fatais desse cheiro. Desde aí que se ouve dizer que nunca se fala do cheiro da terra depois de uma trovoada.

(João Freire)

Para o tema "O cheiro da chuva" num desafio da "Fábrica de Letras".
Respondendo às dúvidas que surgiram ao ler outro texto sobre o Cheiro da chuva.

Radiohead - Fake Plastic Trees

Dave Matthews & Tim Reynolds - Gravedigger

01/10/2010

A caça às bruxas

Custa-me aceitar que a crítica generalizada se centre em questões superficiais para tentar resolver a crise económica em que Portugal se encontra. É fácil ver por todo o lado panfletos de contestação aos salários milionários de administradores de empresas e serviços públicos, aos custos assombrosos das viaturas de alta cilindrada que o Estado compra, passando pelos desperdícios de algumas prestações sociais com "quem não quer trabalhar", normalmente referem-se aos ciganos. Haverá algum sentido nessas críticas? Sim... tirando a parte racista./xenófoba da equação, claro que sim, mas eu pergunto qual a importância estrutural dessas questões?

Tudo o que é social implica uma história. O ser-humano funciona com histórias porque é a melhor forma de compreender, interpretar e, se quiser, agir sobre a realidade que o envolve. Para o fazer, o actor social tem de encontrar personagens, heróis, vilões, e depois uma trama na qual os possa inserir. Os heróis são sempre fáceis de encontrar num mundo do faz-de-conta, porque heróis das nossas histórias somos todos, mas os vilões vão variando conforme a trama se desenrola e as informações que nos rodeiam (normalmente filtradas por comentadores políticos ou desportivos) ecoam na nossa cabeça. Um vilão de ontem (os Bancos, os especuladores financeiros e imobiliários e os agentes da bolsa) pode facilmente ser substituído pelo vilão de hoje (Sócrates e o seu Governo). Simplificando, junta-se tudo no mesmo e identifica-se o problema nos ricos. Normalmente as generalizações simplistas acabam sempre com identificações de problemas simplistas e soluções que seguem inevitavelmente pelo mesmo caminho. Foi assim com as bruxas, foi assim com os judeus, terá sido assim com muitas outras coisas. Agora, corremos o risco de fazer o mesmo com os ricos e eu não tenho razão nenhuma para defender os ricos, mas parece-me acima de tudo que não tenho razão para os criticar só pelo facto de o serem. Ser rico não é crime. Crime é roubar, corromper, abusar de um qualquer estatuto para obtenção de lucro e é crime quando é perpetrado por um rico ou um pobre. 

Fig.1
Hoje vi isto (Fig.1). Interessa-me pouquíssimo. Alguns salários estarão inflacionados, outros estarão justos mas as pessoas que lá estão podem não ser competentes e outros salários podem ser justíssimos para a função em causa e as pessoas que lá estão podem ser competentíssimas. Mas isso acontece em todos os trabalhos e em todas as funções. Fazer um pano de amostra com uns nomes e uns números, como se de um cartaz "procura-se" do longínquo oeste americano se tratasse, ´insinuando que aqueles ordenados dariam para pagar o salário de 58 mil pessoas, parece-me demagógico e ineficaz. Ninguém se importa se essas o mereceriam, ninguém se importa sequer que o salário médio de um desses funcionários públicos (900 euros) pudesse pagar a alimentação de 900 crianças na Somália. Servirá este quadro para espicaçar as pessoas? Talvez, mas ainda é preciso espicaçar alguém?


Há nestas coisas um risco de dispersão. Se criticarmos a compra de um carro de 134 mil euros, deixamos de criticar a compra de dois submarinos por uma soma total de mil milhões de euros. Focamos o acessório, como se o acessório fosse determinante.

O sistema político, social e económico de Portugal é grande e precisa de se alimentar. Para se alimentar tem de aumentar. Quanto mais aumenta, mais precisa de se alimentar. É só isto.
O chamado Estado Social português é dos mais generosos da Europa, poder-se-ia dizer até que é dos mais avançados, mas é desajustado à realidade portuguesa. Não é o dinheiro dos administradores que paga o sistema, não é seguramente o dinheiro de carros de alta cilindrada topo de gama (Citroën diesel, etc.) que paga o sistema.  O que paga o sistema é a produtividade do país. Quando essa produtividade é baixa ou quase inexistente, das duas uma, ou reduz-se o sistema, baixando/congelando salários, reduzindo benefícios ou aumenta-se o sistema, criando novos impostos, injectando capital e investindo. Quem está preparado para perder as regalias que tanto lhe custaram a ganhar? Ninguém! ninguém quer deixar de receber aquilo a que tem direito. Da mesma forma, ninguém quer pagar mais impostos, ninguém quer pagar as auto-estradas ou gasóleo a 1 euro e 50, e por isso todos abusamos do sistema. De certa forma, acabamos também por ser culpados.

Haverá soluções. Eu, por exemplo, imagino que a criação de mais alguns escalões de IRS poderia ajudar no equilíbrio das contas públicas - servindo também para ir buscar algum dinheiro aos mais ricos, para agrado do Robin dos Bosques que há em todos nós -, assim como acho necessária  a reformulação da função pública, nomeadamente no que concerne aos seus recursos humanos e à rede autárquica, exigindo-se muito mais rigor na criação e gestão das empresas municipais, por exemplo, acho até que em alguns casos poderia proceder-se à diminuição da duração de algumas prestações sociais, como o subsídio de desemprego, e à revisão ou mesmo abolição de outras, como o "subsídio de natalidade" e o "rendimento de inserção", e veria com bons olhos que se cancelassem algumas das grandes obras. Serviriam? Não sei, mas são hipóteses válidas e mais prementes que assentam na estrutura de um estado mais realista. depois viria a revisão institucional, depois viria a redução dos 230 deputados para os 180, depois viria a reformulação do sistema eleitoral... depois viria o controlo dos salários dos gestores e das viaturas oficiais, depois viria...

Quanto às críticas que se fazem ao Governo, partilho a grande maioria. Sócrates é um incompetente, rodeado por incompetentes, que hão-de ser substituídos por outros incompetentes, mas admitindo até que haverá certamente alguma competência (eu até concordo com algumas das novas medidas anunciadas) e até acredito que esses incompetentes às vezes tenham acessos de competência e queiram fazer o melhor pelo país, mas partilho a revolta social, partilho por exemplo todas as críticas relativas à prossecução do plano da alta velocidade e até me disporia a uma manifestação com o mote "Ok, nós pagamos mais impostos, mas vocês não vão para a frente com essa merda do TGV" (a minha ideia de contrato social), mas não alinho nisso dos carros de alta cilindrada e dos salários dos administradores.

Na realidade não há histórias com heróis e vilões bem definidos, nem tão pouco uma história com início, meio e um fim inevitavelmente feliz para sempre. Na realidade, vai-se andando, tentando melhorar sempre, participando, ajudando, sugerindo, reclamando quando há razão para tal e exigindo o que de direito, porque esse é também o nosso direito... e dever.

Quando era novo... quando era mais novo, costumava dizer em jeito de brincadeira pré-eleitoralista que não gostava do Comunismo porque o Comunismo não gostava de ricos e eu contava vir a sê-lo. Substituindo a referência mais antiga por uma mais recente: Francisco Louça, ainda conto vir a ser rico, mas conto também vir a ser uma pessoa melhor, independentemente daquilo que tenha ou não no banco.

(João Freire)

Serviço público

Uma amiga minha, super contente porque descobriu a galinha dos ovos de ouro, chega-se ao pé de mim de sorriso aberto porque como já disse, descobriu a galinha dos ovos de ouro:

ela: ehhh, já comprei o fifa 2011 para oferecer ao C. ele vai-se passar.
eu: fixe. então também já deve ter saído o PES 2011!
ela: (tirando o jogo do saco, tirando o sorriso da cara e olhando para a capa com ar de perdida) ai... agora não tenho a certeza se era este o jogo. Mas ele disse que saía hoje, e na fnac só se via fifa por todo o lado.
eu: epá, se não é para fazeres surpresa, manda-lhe um sms a perguntar qual dos dois prefere.

e assim fez.
passados alguns minutos recebe a mensagem de resposta.

ela: (novamente com o sorriso da galinha e já mais descansada) eh eh, é o fifa. vê (mostra-me a mensagem)

"ue ue ue! sou eu. obrigado amor. beijinho"

eu: hã? que resposta é esta?! (olhando para ela com cara de parva) o que é que lhe perguntaste?
ela: perguntei quem é que ia ter o fifa 2011 para jogar mais logo.
eu: lol... "oh tadinha, não percebe nada destas coisas e em vez de pro evolution soccer escreveu fifa". acho que era isto que ele queria responder... devias ter perguntado "fifa ou PES?"
ela: opá...

pela cara dela, imagino que no momento do seu "opá", o pensamento dela foi ver-me numa panela gigante a cozer eternamente em banho-maria.

eu: eu lembro-me de há uns tempos atrás me teres falado de um jogo de futebol que ele gosta. e na altura querias dizer-me o nome e não te lembravas porque como tu disseste tinha um nome diferente do que aparecia na capa do cd. e aí eu disse "ahhh, então deve ser o pes". na altura disseste que era...
ela: estou cheia de dúvidas. (cara vazia. olhar no infinito)
eu: manda-lhe outra mensagem. mas desta vez escreve o que te vou dizer: "eh, sou tão tronga. estava aqui a ler os meus sms enviados só porque sim e reli o que te enviei ainda há pouco. eu queria dizer PES e escrevi FIFA... tss. beijo grande e tudo e tudo"

ela: não. vou telefonar-lhe.

eu: ok. :)




era mesmo o PES.